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quarta-feira, 06 de abril 2005

Donato vs Deodato

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João Donato & Eumir Deodato

Depois da gravação do meu primeiro disco, Vôo de Coração, em 1983, comprei meu primeiro sintetizador, um poderoso Jupiter 8, da Roland. Foi apenas o início, comecei a colecionar teclados eletrônicos. Os produtores do meu 3º disco, Circular, trouxeram da Inglaterra a recém-lançada tecnologia MIDI e eu fiquei fascinado com a possibilidade de ligar um instrumento no outro, somando os timbres. Com a ajuda de um computador Atari ST, montei um pequeno estúdio MIDI em casa que aos poucos foi crescendo até virar uma sala "state-of-the-art". Isso foi em 1986. Foi um dos primeiros estúdios do genero no Brasil e, por isso, acabou atraindo a atenção de muitos músicos amigos, interessados nas possibilidades que a então-nova tecnologia oferecia, a de gravar arranjos complexos diretamente no computador sem o auxílio de fitas de gravação convencionais.

Um desses músicos era o João Donato, grande figura da Bossa Nova e autor de pérolas como "A Rã". João só conhecia o piano acústico e elétrico. Essa tecladaria toda era uma grande novidade para ele e quando ele viu a partitura sendo escrita, em tempo real, na pequena tela do computador, enquanto ele tocava, ele ficou maravilhado. Para quem escrevia suas partituras a lápis era, de fato, uma mão na roda. As possibilidades, para ele, eram enormes. Em 1989, ele passou a frequentar minha casa quase diariamente e eu, por minha vez, enquanto pilotava as geringonças todas, aproveitava a oportunidade para observar, ouvir e aprender com esse mestre do suingue carioca.

No final de cada dia, registravamos as gravações do dia em fita DAT e eu fazia cópias em K7 para que Donato pudesse ouvir tudo na casa dele. Sendo o rei do improviso que ele é, este acabou registrando muita coisa inédita enquanto aproveitava a tecnologia MIDI para elaborar arranjos completos das suas músicas.

Um dia, recebi um telefonema do meu grande amigo Sérgio Dias, guitarrista dos Mutantes, que nessa época morava no Rio.

- Estou aqui com meu amigo, Eumir Deodato. Ele está visitando o Brasil e está muito interessado em ver teu estúdio. Posso passar aí com ele hoje à tarde?

(Deodato, para quem não sabe, é considerado um dos maiores arranjadores do mundo. Além do seu trabalho próprio, é conhecido também por ser o arranjador predileto da cantora islandesa, Björk).

Liguei pro Donato avisando que naquele dia não seria possível ter nossa sessão habitual. Expliquei que o Deodato vinha em casa visitar meu estúdio.

- Deodato! Que nada, Ritchie! Ele vai aí só para ouvir minhas fitas! Pelo amor de Deus, não deixe ele ouvir nada, 'tá combinado?

- Calma, João! Isso não passa de paranoia sua. O cara nem sabe da existência das nossas fitas demo, que eu saiba. E mesmo se ele quisesse ouvir, qual seria o problema disso?

- É que ele já fez isso comigo uma vez! Mostrei uma música minha pra ele e ele voltou para Nova Iorque e fez um arranjo igualzinho ao meu, no disco dele, e pior, nem me deu crédito... Esconde as fitas, pelo amor de Deus!

- Tá bom, Donato, mas digo mais uma vez, acho que isso não passa de paranoia sua. Nem vou falar do assunto com ele e vou esconder as fitas se isso te deixa mais tranquilo...

Desliguei o telefone. Esses caras da Bossa Nova já levavam fama de doidos, mas eu havia detectado o desespero na voz dele e resolvi esconder as fitas.

De tarde, Serginho e o Deodato chegaram na minha casa. Antes de chegarmos no estúdio, nos fundos da casa, este virou pra mim e falou:

- Ritchie, alguém me disse que você anda fazendo umas demos com Donato. Sou grande fã do cara, você poderia me mostrar as fitas?

Tentei manter a cara mais lavada do mundo:

- Lamento muito, Deodato, mas o João sempre leva as fitas pra casa dele no final das sessões... não tenho nada aqui comigo que eu possa te mostrar.

E acabou ficando por isso mesmo...

-=-=-=-=-=-

Segundo um estudo feita pela Universidade de Califórnia em 1984, "Paranoia é uma forma de híper-sensibilidade ou consciência elevada. Os casos mais extremos dessa sensibilidade ocorrem entre músicos e poetas".

irradiado por Ritchie em abr 6, 05 11:49 PM  |  |  | 
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14 SINAIS NO RADAR

ritchie, sensacional, sensacional!
pô, eu queria saber mais, muito mais (dá um pulo lá em casa também, já entrou na pauta do pas, em http://pedroalexandresanches.blogspot.com/2005/04/esses-caras.html)!

irradiado por: Pedro em abril 7, 2005 2:39 PM

Haha! Grande Pedro. Eu sabia que você ia se divertir com essa... Valeu!

Minhas sessões com Donato não chegaram a ser parcerias, infelizmente. Eu precisava de todas minhas energias para pilotar o computer e o setup todo. E Donato sempre queria mais... e pra já...

Como o estúdio era apenas de MIDI, não havia microfones ligados nem fitas multi-track para gravação de voz. (Isso era bem antes da chegada do Pro Tools e dos sistemas sofisticados de gravação de áudio em computador, disponíveis hoje em dia).

Tudo era apenas música instrumental... das melhores.

irradiado por: Ritchie em abril 7, 2005 3:28 PM

Sensacional!

irradiado por: Enio em abril 7, 2005 7:44 PM

:D Adorei! Afinal o Donato não estava tão paranóico assim!!

irradiado por: Lurdinha em abril 8, 2005 8:39 AM

Valeu, Richard! Me sinto um pouco mais tranqüilo depois dessa aconchegante definição de paranóia...
abraço

irradiado por: Tomás Iguaçu em abril 8, 2005 3:08 PM

É de arrasar...
Bjs:Sol

irradiado por: Solange Felix em abril 8, 2005 4:16 PM

E essas fitas, ainda existem? Alguma chance de ouvirmos o que saiu dessa sessões algum dia?

Abs!

irradiado por: Bruno em abril 8, 2005 4:50 PM

Mostrar as fitas?... Só se o Donato deixar.... rs

irradiado por: Ritchie em abril 8, 2005 5:00 PM

Nossa, devia ser uma escola e tanto de Bossa Nova, imagina poder estar lá e ver esses momentos de mais pura inspiração e, por que não dizer, transpiração. Quanto a paranóia ... se for no conceito expresso acima, ele estava em num certo paranóico...

irradiado por: Aline em abril 8, 2005 7:57 PM

Donato e Deodato... por que nunca inventaram uma dupla caipira assim?

irradiado por: Nishi em abril 9, 2005 1:17 AM

mp3 já! =^D

fala com o donato.
a gente nao espalha hahahaha

irradiado por: Jean Boechat em abril 11, 2005 2:57 AM

aline, mas pelo que sei do donato, ele deve ter aprendido um tanto com ritchie também... é impressionante vê-lo recentemnente, nos shows do marcelo d2, o cara fica radiante de felicidade. o cara se comunica com qualquer vertente musical, não tem preconceito de nada.

irradiado por: Pedro em abril 11, 2005 7:53 PM

Pedro, sou meio suspeita para falar do Ritchie, considero ele um músico maravilhoso, aberto para as novidades, tendências musicais, ritimos e estilos, só para brincar um pouquinho (afinal fã pode, né?) um dia na definição eclético vai constar uma foto dele (risos). Agora falando sério, com certeza ambos aprenderam muito, não só 'musicalmente' falando.

irradiado por: Aline em abril 12, 2005 3:03 PM

Adorei. Maravilhoso

irradiado por: Ri em abril 20, 2005 2:27 PM
Ritchie

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